segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Rua 15, às 6h45

Quando eu estudava, por morar pertinho da escola, ia caminhando com amigas ou com a minha irmã e, chegando na rua da escola, não me importava com o sono ou com o frio das 6h45... 6h50 da manhã. Meus amigos estavam lá, o pessoal da escola estava lá e, eventualmente, algum garoto bonitinho específico ou aleatório também estava lá.
Era divertido encontrar tanta gente querida e conhecida todos os dias e todos os dias parecer um reencontro depois de muitos anos sem contato. Não faltava assunto, não faltava novidade, não faltava risada. Muita coisa acontecia entre meio dia do dia anterior e 6h45 do dia atual. Se fosse uma segunda-feira, nossa! Muito mais coisas aconteciam entre meio dia de sexta-feira e 6h45 de segunda.
Olhando daqui, de hoje, nada muito importante acontecia, mas muita coisa acontecia. E lá atrás era, sim, tudo muito importante.
Todo acontecimento depois do horário da escola era cuidadosamente guardado junto com a ansiedade para poder compartilhar com o grupinho de amigos na porta da escola. Não tinha o WhatsApp pra mandar foto do bonitinho que vimos na padaria e falou "oi" sorrindo pra gente. Não tinha Instagram pra postar para os melhores amigos um story na festa da sua prima. Não tinha nem SMS ou MSN para mandar um "que saco! Minha mãe tá me enchendo o saco por causa das notas de matemática de novo!". Um TikTok pra postar transição de looks usando Pakalolo ou Side Play ou Planet Girls com uma música da Shakira ou das Spice Girls. Nada.
Telefone até rolava, mas como fofocar em sigilo se só tivesse linha na sala, com toda a família ao redor? Telefone sem fio era coisa de rico. Às vezes, até o próprio telefone fixo era coisa de rico.
Tudo era urgente e imediato naquela época, mas, ao mesmo tempo, tudo precisava esperar algumas horas para ser compartilhado. Na porta da escola. Era lá que começava o nosso dia.
A gente acordava mais cedo pra sair mais cedo de casa e chegar na escola antes do sinal bater, porque assim sobrava mais tempo para conversar e contar tudo o que precisava ser contado nos mínimos detalhes enquanto o resto do grupo soltava gritinhos de alegria e "não acredito!!!".
Mais tarde tinha o intervalo e duas vezes na semana tinha a educação física, que era como um intervalo de 50 minutos, já que o professor sumia e a gente aproveitava pra tomar sol no gramado enquanto lia a revista Capricho ou a Toda Teen. Revista Carícia, de vez em quando aparecia, mas ninguém ligava muito. Legal mesmo era fazer os testes da Capricho e ler o horóscopo.
Mas a hora da entrada... Tinha uma magia ali, um frescor juvenil misturado ao frescor das manhãs do fim dos anos 90 e começo dos 2000. Uma urgência de aproveitar todos os minutos possíveis porque, não falávamos disso, mas sabíamos que aquilo não seria eterno.
Minha última manhã na porta da escola aconteceu em dezembro de 2002. Depois disso veio uma tonelada de mudanças e distâncias, faculdade, trabalho, casamento, filhos... A vida foi passando.
Hoje eu levei minha filha para a escola e chegamos um pouquinho mais cedo. Me despedi na esquina e fiquei observando ela descer a rua. Ao invés de entrar, ela parou na rodinha de amigos e ficou ali na calçada.


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Trilha sonora: Tela Quente - Maglore. O título da música combinou com o clima do post.