sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Amor Preferencial

Acostumado a andar sozinho desde que ficou viúvo, vinte e tantos anos atrás, Seu Oswaldo não esperava nunca mais encontrar outra companheira para a vida toda. Ou para o que ainda lhe restava da vida.
Mas ao embarcar no ônibus de costume, a caminho do centro da cidade, para onde ia com frequência resolver as coisas da aposentadoria, jogar dominó com os amigos do clube da terceira idade ou comprar um remédio para uma doença qualquer que ele gostava de achar que tinha para se ocupar com alguma preocupação que ele já não precisava ter naquela fase da vida sempre saudável (os médicos diziam, ele duvidava), Seu Oswaldo avistou, no banco preferencial, a senhorinha mais linda que ele já havia visto nos últimos anos, desde a partida de Dona Esmeralda. Foi amor à primeira vista, apesar da vista já um pouco fraca pela avançada idade. Limpou bem os óculos, tornou a colocar as lentes no rosto e, estufando o peito, pediu licença e sentou-se ao lado dela.
Puxou uma conversa como quem não quer nada, mas sentia-se um adolescente por dentro, frio na barriga e tudo. Ela sorria. Ela sorria com os olhos quando falava! E ele sorria de volta.
A viagem de 40 minutos parece ter passado em 5, tanta coisa ele queria saber, queria conversar...
Deveria descer no próximo ponto, mas decidiu aproveitar que não pagava mais passagem e fez-se de bobo, perdeu o ponto de propósito, torcendo para que ela não desembarcasse no próximo, antes que ele pudesse pelo menos saber o seu nome, como encontrá-la de novo.
Foram até o ponto final de ônibus e o motorista, acostumado a ver sempre Seu Oswaldo naquela linha, mas nunca até aquele destino, interrompeu os dois:
- Ô, vovô! Esqueceu de descer hoje ou veio passear pra essas bandas?
Seu Oswaldo, entre constrangido e humilhado, disse que precisava resolver qualquer coisa ali por perto, não tinha errado o ponto, não e aproveitou a oportunidade para perguntar se a sua nova amiga morava por ali.
A senhorinha respondeu que havia ido visitar uma amiga.
Alceu, o motorista muito esperto e acostumado a ver romances começando em seu ônibus, tratou de adiantar o lado dos dois:
- Então, até amanhã Seu Oswaldo. Amanhã é dia do Sr. ir jogar dominó no clube da terceira idade, né? Já decorei sua agenda. Lá pelas 14:30 eu passo no ponto perto da sua casa. E a senhora, dona Laura, sai tão pouco de casa ultimamente. Ainda mora ali perto da catedral? Já conhece o clube da terceira idade aqui da cidade? Conta pra ela, vovô. Convida ela pra ir lá. Até amanhã, então!

Seu Oswaldo e Dona Laura seguiram em rumos opostos naquela tarde. Mas no dia seguinte, às 14:00, ela já estava dentro do ônibus, aguardando no banco preferencial, ansiosa pelo momento que veria novamente o adorável Seu Oswaldo, por quem ela havia perdido a consulta médica marcada há meses, mas que poderia ser remarcada depois. Ela sentia que teria ainda todo o tempo do mundo para isso. Urgente agora era rever o seu Seu Oswaldo.


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A ideia e o título desse continho estavam na minha cabeça há muitos anos, sem que eu tivesse sentado para desenvolver direito a história. Até que lembrei dessa notícia aqui e aproveitei o momento de ócio e silêncio raros para resolver esse assunto.

Fonte: Razões Para Acreditar ( ♥ amo esse site ♥ )


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Trilha Sonora: Estava ouvindo essa playlist delicinha aqui, feita pela Raquel do Draminha.