sexta-feira, 22 de abril de 2016

Um dia minha mãe enlouqueceu.
Não. Não foi assim, um dia. Hoje eu sei que tudo foi acontecendo aos poucos, até que ela…
Começou quando eu era pequena demais para perceber qualquer coisa. Achava divertido minha mãe estar sempre em casa, disponível para brincar comigo e ficar na cama até tarde quando eu não tinha escola. Depois, conforme fui crescendo, passei a achar constrangedor receber amigos em casa e minha mãe estar sempre de camisola e despenteada pela casa. Eu evitava receber amigos em casa. Atendia todos no portão e de lá a gente seguia pra qualquer canto que não fosse a minha casa.
Minha mãe parou de pentear os cabelos e foi adquirindo aos poucos um ar de selvagem, como se estivesse sempre fugindo de alguma coisa que não lhe dava tempo de parar e pentear os cabelos. Quando ela estava medicada, ela prendia os cabelos no alto da cabeça, num rabo de cavalo desajeitado e volumoso que, nas primeiras vezes eu achei graça por ficar parecida com uma couve flor ou um brócolis. Depois aquilo perdeu a graça e ela só se parecia com uma louca mesmo.
De vez em quando ela chorava enquanto prendia o cabelo e, conforme o tempo passou, percebi que era um choro de dor. Amarrar aquele emaranhado de fios era tão dolorido quanto apertar dentro da cabeça dela aquele emaranhado de pensamentos, de lembranças e passado. Ela só tinha passado. Não tinha mais futuro nenhum há muito tempo e, conforme eu desenhava o meu futuro longe dela, aceitando que ela acabaria mesmo cada vez mais louca, sob os cuidados dos meus avós ou de alguma clínica, eu sentia a gente se afastando cada vez mais.
Quando fiz 19 anos, saí da casa dos meus avós. Passei a visitar a cada 15 ou 20 dias e mandava o dinheiro que podia para ajudar com os médicos e remédios que já não ajudavam em nada aquela cabeça tão doente e despenteada.
Eu sentia dó. Eu sentia raiva. Eu queria entender o que aconteceu.
Hoje, 5 anos depois que ela se foi, acordei e senti vontade de não pentear os cabelos. Semana passada descobri que estou esperando um bebê e antes de comprar o primeiro sapatinho, decidi cortar meus cabelos tão curtos que eu nunca mais precise pentear.
Acho que foi assim que começou com ela, mas talvez eu tenha encontrado um jeito de nunca precisar prender os cabelos e não sentir a dor que ela sentia.
Em vez de oferecer um pente, devia ter oferecido a tesoura.


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Conto publicado há alguns dias no Medium. Tive a ideia do primeiro parágrafo e depois, quando sentei pra escrever, o resto foi saindo naturalmente. Não sei ainda se gostei ou não, mas publiquei pra não deixar guardado como tantas coisas que ando escrevendo e não publicando.

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Trilha Sonora: Heart's Out - The Sun Parade. Continuo viciada, apaixonada, encantada e ouvindo muito essa banda. <3