sábado, 16 de agosto de 2025

Maratona Particular

Não sei se é a crise dos 40 ou se é o coitado do Mercúrio retrógrado que todo mundo adora culpar por tudo, mas ultimamente estou meio que me comparando com outras pessoas e às vezes me sinto meio bosta, meio deslocada.
Eu deveria ter conquistado muita coisa que não conquistei ainda. Eu deveria ter muitas responsabilidades que a vida ainda não me obrigou a assumir. Eu deveria saber fazer muitas coisas que ainda não sei fazer.
Mas deveria mesmo? Ou eu acho que deveria porque fico me comparando com outras pessoas?
Será que as pessoas com quem me comparo também não olham pra mim e desejam a minha vida? Será que não sonham com uma rotina mais tranquilinha como a minha parece ser quando posto story de hobbies legais e meio bobos?
Não fossem os hobbies meio bobos, aliás, eu ja estaria tomando remédio pra não ter um treco porque esse inferno de rede social nos faz ver e mostrar só o lado leve da vida, enquanto o pesadão, os dramas e perrengues ficam no offline, bem escondidos. Os meus, pelo menos, ficam e o que não falta é drama tentando acabar com a minha saúde mental ultimamente. 
E se eu não quero ver drama de ninguém, que eu não pago internet pra ficar de baixo astral, também não perco tempo expondo publicamente os meus problemas (pra 30... 40 pessoas, mas ainda assim).
Eu gostaria de estar trabalhando com algo mais interessante? Com certeza. Gostaria de estar morando numa casinha bem decorada e confortável? Claro. Mas não estou, não dá, nada disso é possível agora.
Meu desafio tem sido me convencer de que está tudo bem nada disso ter sido possível ainda. 
Tento me convencer lembrando sempre que cada um tá correndo sua própria maratona, com seus próprios obstáculos e seu próprio trajeto. Tem gente correndo com a ajuda de uma equipe enorme. Tem gente correndo sem apoio, descalço e debaixo do sol. Tem gente que pega atalho e tem gente que pega a via errada e precisa recomeçar.
Eu tô só correndo, sem saber quando a maratona acaba. Às vezes com equipe de apoio, às vezes sozinha. Peguei caminho errado e precisei recomeçar. Teve trecho de chuva e eu tava de guarda-chuva. Teve trecho de asfalto quente e eu tava descalça. Teve trecho que entrei num ônibus e adiantei uns km sem correr, trapaceando.
Por mais que eu acabe reparando na maratona alheia, nessa competição a única adversária que tenho sou eu mesma.
Um dia eu chego lá.


***
Acho que era isso que eu queria dizer no post anterior quando me vi perdida entre pratinhos girando e aros de fogo chegando.
Meu cérebro anda me levando por caminhos inesperados ultimamente.

***
Trilha Sonora: Paciência - Lenine. Bem a calhar, heim! 

Equilibrando Pratinhos e Pulando o Aro de Fogo

Ano que vem vou fazer 40 anos.
Fazer 40 anos pode e não pode ser uma grande coisa. Quando eu tinha, sei lá, uns 12... 13 anos, olhava para mulheres de 30 e achava que elas eram todas super adultas. As de 40, então, nossa! Eram mulheres maduras, senhoras vivendo suas vidas de senhoras.
Agora que estou nesse lugar, esse meio fio entre os 30 e poucos e os 40, olho pra mim mesma e não sei bem se sou uma jovem senhora, uma jovem, uma mulher madura. Sou só... Eu.
Tenho uma filha adolescente, tenho um emprego estável há 16 anos, um relacionamento de 17 anos com um casamento de 5 anos, muitas amizades de mais de 20 anos de existência (ainda que nessa idade a gente veja os amigos muito menos do que gostaria). Meus pais já estão com 60 anos e muitos sinais do que é a vida aos 60 anos (saúde mais delicada, cabeça mais dura), meus irmãos todos formados, trabalhando, um deles casado. Eu vi meus irmãos nascendo, carreguei dois deles no colo, ensinei um deles a tomar banho, desfraldei e dei comida na boca dele. Tá aí agora, 25 anos, iniciando a carreira como psicólogo. Era um bebê até ontem. Eu mesma me sentia uma bebê até ontem.
O tempo vem e vem com força.
Mas, estranhamente, mesmo vindo com força, o tempo também parece vir lento dentro de mim. Por fora, pros outros quando me olham, sinto que enxergam a tal da mulher madura-jovem senhora que eu deveria ser (e talvez seja). Por dentro, quando eu mesma me olho, não sei.
Tento dividir meu tempo entre montar quebra-cabeça, fazer colagens e colecionar cacarecos* enquanto educo minha filha adolescente, trabalho 40 horas semanais e guardo a roupa recém lavada. Eu não tenho uma casa minha. Ainda moro com os meus pais. Eu não tenho um quarto só meu e nem tenho condições de dar pra minha filha um quarto só dela. Eu não tenho dinheiro guardado porque a junção de muitas situações da minha vida me fazem sempre gastar um pouco mais do que ganho, me enrolar com cartões de crédito e empréstimos consignados. Eu não atuo na minha área de formação porque a estabilidade do meu emprego ainda é mais importante do que o sonho de ganhar dinheiro escrevendo ou revisando textos. Fiz da minha paixão pela escrita uma renda extra e eventualmente essa renda extra é a salvação da minha lavoura. Aliás, a minha formação demorou 15 anos pra finalmente acontecer. A maternidade foi a coisa mais especial da minha vida, mas foi também um dificultador para muitos dos meus objetivos de vida. Alguns objetivos eu até larguei pra trás porque não cabem mais na vida com filhos. Outros objetivos eu adiei e o que foi possível tocar adiante, toquei como pude.
Mas, de repente, ser adulta, ser a mulher de 40 anos e coisa e tal... De repente é isso mesmo: equilibrar vários pratinhos girando enquanto pulo por um aro pegando fogo diante de uma plateia que às vezes aplaude e às vezes joga tomates.
Acho que eu nem deveria ligar pra plateia, na real, porque quem escolheu equilibrar pratinhos enquanto pula através do aro flamejante fui eu. Ninguém me obrigou a esse número bizarro e maravilhoso. Sim, eventualmente a vida me deu mais um pratinho pra equilibrar mesmo enquanto eu dizia que não daria conta de 2 pratinhos e depois a vida me deu mais 2 pratinhos enquanto eu dizia que ia cair tudo e, quando eu vi, estava girando 7 pratinhos e dando conta. Mas olha aí o aro pegando fogo! Vou ter que pular! E eu pulei e deu certo. Mas ninguém me obrigou. Eu poderia jogar tudo pro alto e simplesmente não fazer nada disso.
De vez em quando olho o circo ao lado e tem outras pessoas equilibrando os mesmos pratinhos que eu, mas com muito mais treino e graciosidade. E tudo bem. Até porque, do outro lado da rua, em outro circo, alguém já quebrou 2 pratinhos e saiu com a bunda queimada depois do aro de fogo.
Tem gente que consegue, tem gente que não consegue.
Tem gente que equilibra mais pratinhos e atravessa aros mais estreitos antes dos 40 anos. Tem gente que nasce equilibrando pratinhos. Tem gente que nunca vai girar um pratinho na vida, muito menos aprender a saltar o aro.
A plateia segue aplaudindo e jogando tomate em todo mundo, independente do quão infame ou incrível seja esse tal show da mulher de 40 anos que eu nem sei ainda se estou atuando bem.
Quando o show acaba, eu vou pro meu camarim montar quebra cabeça e cuidar dos meus cacarecos.
E eu não sei mesmo se é isso aí a vida da mulher de 40 anos, se é esse circo todo, se tem toda essa graça que eu gostaria que tivesse, se é tão difícil quanto parecer ser pra mim em alguns dias. Não sei se também era essa a vida das mulheres de 40 anos que eu admirava quando eu ainda estava sentada na plateia. 
Talvez o meu erro seja ficar bisbilhotando o show alheio. Cada um com seus pratinhos, eu deveria cuidar dos meus. Talvez o meu erro seja ficar esperando aplausos e temendo tomates. Vai ter um e vai ter outro, inevitavelmente. 
Enfim, eu ainda não sei se eu estou onde deveria estar e nem sei se vou chegar aos 40 do jeito que sonhei e sonho. Falta bastante coisa ainda e tenho pouco tempo. Mas sigo equilibrando meus pratinhos, fazendo analogias que fazem mais sentido na minha cabeça do que por escrito.
Acabei de deixar cair um pratinho.


***
A internet nos chama de "cacareco girl", porque somos o tipo de """garota""" que gosta de colecionar tranqueirinhas fofas, os cacarecos. Ainda que essa garota tenha quase 40 anos.


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Trilha Sonora: Vieste - Ivan Lins. Música de tia, né? Mas eu adoro Ivan Lins desde que eu era criança. Nasci com alma de tia.