segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Os Fantasmas

Anos que eu não entrava ali. Anos, nem sei quantos, que eu não subia aquelas escadas, entrava por aquele portão enorme e sentia o cheiro da adolescência que só aconteceu ali.
Enquanto esperei não mais que dez minutos na fila, vi tantas cenas e ouvi tantas vozes que não pude chorar, não pude rir, não pude nada, porque eu queria tudo ao mesmo tempo e não consegui nada além de fazer cara de quem nunca havia estado ali.
Mas eu estive, inúmeras vezes, de bobeira naquele mesmo corredor de tijolo vazado, naquela mesma porta enrolando para aproveitar ao máximo enquanto podíamos. Lá fora, no meio de tanta gente que hoje nem sei onde... Tantas manhãs tomando aquele solzinho bom, escorada no muro ou naquela bagunça da fila desorganizada para tentar conseguir comprar um pirulito ou um salgadinho. Naqueles banquinhos disputados onde dávamos risada, contávamos piadas, contávamos segredos, brincávamos de adivinhar o futuro quando eu lia mãos e cartas e ríamos mais um pouco, porque tudo sempre acabava em risada, mesmo quando começava em choro ou em uma pergunta séria como "Lê aí, Cacá... Como é que eu vou morrer?" e eu disse a ele que seria no ar, voando. E depois nós rimos de qualquer piada que ele fez com os dons que eu nunca tive.
No fim do corredor eu não me atrevi a ir. Na verdade, nunca gostei muito de ir até lá porque chegar à outra ponta, significava assumir aquele namoro que eu não podia assumir e que as pessoas não sabiam que existia. Isso só na minha cabeça, claro. Era o relacionamento "secreto" mais invejado e admirado daquele horário, o que, na época, era muita coisa.
Aquela escada também seria demais para mim. Eu ficaria frente a frente com aquela Camila que um dia sentou ali e perdeu uma hora inteira do seu dia chorando como nunca mais chorou na vida, sentindo uma dor que nunca mais sentiu. É que o relacionamento tinha passado de secreto para inexistente e já era até um relacionamento novo com outra namorada que nunca teve nada de secreta. Estava ali para quem quisesse ver. Inclusive eu. E quando eu vi, esperei até o outro dia para chorar na companhia daquela que era e ainda é a grande amiga de todas as horas. 
Não sei dizer porque um lugar só significa tanto pra mim, mas sei que muito do que sou hoje começou ali. Muito do que não sou hoje, terminou ali.
E, indo embora, ainda vi o último fantasma que foi, na verdade, o primeiro. Como um bom fantasma bem educado, me disse oi, perguntou como eu estava e disse que ele continuava por ali. Me deu aquele mesmo sorriso bochechudo de sempre e me puxando de volta à realidade, se despediu "tchau, então! Vou lá votar" e seguiu seu caminho.
Foi então que entendi que tudo havia ficado ali, porque em algum momento deixei que o passado virasse lembrança e me dividindo em duas, eu mesma me tornei um fantasma que ficou preso ali enquanto a outra parte de mim seguiu seu caminho.

***
Trilha Sonora: Janis Joplin. Várias coisas de Janis Joplin.

Um comentário:

Eu Hein Natasha disse...

Quando não encaramos nossos fantasmas eles vêm e nos assombram tds os dias, mas qnd deixamos eles fazerm parte da nossa vida, eles se tornam menos assustadores e desaparecem, como uma lembrança distante...
a-muaah
=D