terça-feira, 20 de maio de 2014

Aqueles lugares onde ninguém se atreve a entrar

Estou lendo um livro novo, Caderno de Um Ausente (do João Anzanello Carrascoza, depois falo melhor do livro) e, logo no começo, tem uma frase que fala assim:
"...apesar do que dizem sobre os casais - que tanto se conhecem a ponto de se confundirem - o mistério de cada um só a ele pertence, há regiões nossas às quais nem nós mesmos alcançamos."
O livro me parece todo lindo (estou nas primeiras 20 páginas ainda), mas essa frase em especial ficou martelando na minha cabeça e voltei várias vezes nela.
Quantos relacionamentos eu mesma não estraguei com a minha mania de querer penetrar tão intimamente na vida do outro e, ao mesmo tempo, não permitindo que o outro fizesse o mesmo quando foi o caso dele querer?
Não falo somente de relacionamentos amorosos, embora isso fique mais evidente quando estou apaixonada por alguém, mas falo também dos relacionamentos familiares, com amigos... afetivos em geral.
Sou o tipo de pessoa que gosta muito de ouvir, quero saber de tudo, quero detalhes, não me contento com histórias contadas de forma resumida (quando a história é do meu interesse, claro). Quero que o outro reproduza as falas exatamente como ocorreram, quero que me conte com detalhes e imitações de tom de voz e entonações corretas em cada palavra que foi dita numa conversa da qual eu não tenha participado, mas por um ou outro motivo, eu ache que tenha o direito de saber como foi.
Eu me acho no direito.
Mesmo que eu nem sempre peça ou deixe isso claro, eu espero que as pessoas se abram totalmente comigo, me contando detalhes e deixando suas histórias todas expostas como feridas abertas, mesmo que ainda não tenham cicatrizado nelas e, nesses casos, exijo tanto que não me importo em ver as feridas abertas, sangrando, em carne viva bem na minha frente. Só quero ver tudo, saber tudo.
Mesmo que o assunto me magoe e principalmente quando o assunto me magoa. Sou forte e aguento ver o sangue jorrar bem na minha cara sem desmaiar.
Acontece que, mesmo me expondo mais do que eu deveria em alguns relacionamentos, eu nunca me abro o suficiente o tempo todo. Há sempre em mim, lá no fundo, uma porta trancada cuja chave foi jogada fora há muito tempo. Eu até sei onde está a chave, porque eu estava lá quando ela foi atirada pra longe, mas eu não quero buscar, não quero destrancar porta nenhuma e, principalmente, não quero que ninguém tente abrir essa porta.
De vez em quando, sem que ninguém perceba com clareza, eu permito que uma coisa ou outra trancada atrás dessa porta apareça na janelinha escura (porém devidamente trancada e coberta por uma cortina escura) e olhe o mundo aqui fora ou eu mesma vou dar umas espiadas lá dentro, sem entrar e sem deixar que me vejam por ali. Só para ver como as coisas estão e ter certeza de que o lugar delas é exatamente onde estão, trancadas e esquecidas.
E quanta coisa, então, eu penso que sei sobre os outros e não sei? Se tanta coisa as pessoas pensam que sabem sobre mim e não sabem, mesmo achando que eu já falei tudo, que eu mostrei todos os lados de todas as histórias, que eu abri todas as minhas feridas... Nada me garante, então, que as pessoas não estejam me proibindo também de entrar nesses cantinhos escuros que eu mesma também escondo delas.
O que eu quero dizer é que, por mais que a gente queira, tente e ache que conseguiu, a gente nunca conhece de verdade e totalmente a história das pessoas.
E, no fim das contas, isso não é uma coisa ruim se você espiar pela sua frestinha de janela e conseguir enxergar bem o tipo de coisa que anda escondida lá dentro, atrás daquela porta que você fez questão de trancar e perder a chave. Se você não aguenta certos monstros seus, que você mesmo criou ou acabou abrigando, como é que vai aguentar os monstros alheios?
É melhor que cada um mantenha suas chaves bem escondias mesmo e que não se fale mais nisso.

***
Trilha Sonora: Nem tem. Tô ouvindo pouca música ultimamente.

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